“Distraimento” ouve-se com a despreocupação que se propõe no título, mas apenas em parte faz jus ao esforço aqui colocado: a natureza de Ricardo Martins traduz-se num relaxamento que resvala o ligeiro, mas que é fruto de um virtuosismo controlado e de arte tornada artesanato, de prática, de guilda, e de dedicação.
Da faixa de abertura “Morder os Dentes” até ao single, que fecha o LP, “Alvor”, há minúcia na utilização da percussão, da textura acima da melodia, e no timbre como guia musical neste novo capítulo — e toda a certeza é depositada nas cadências, mais recortadas, dispersas mas nunca hesitantes, com a eletrónica a servir de possibilidade expansiva. A história contada e tocada em “Distraimento”, integralmente criada com uso da bateria, que também serve de trigger, de sensores em tempo real e modelação, é de interpretação livre, análoga à leveza com que Ricardo Martins a interpreta. Desenrola-se suavemente, cativa a nossa atenção, e dá-nos a conhecer melhor um lado do seu autor que podia facilmente ficar num plano secundário.
“Distraimento” can be listened to with the carefree attitude suggested by its title, but only partially does it reflect the effort invested here: Ricardo Martins’ nature translates into a relaxation that brushes against the light and effortless, yet it is the result of controlled virtuosity, of art turned into craftsmanship, of practice, of guild, and dedication.
From the opening track “Morder os Dentes” to the single that closes the LP, “Alvor,” there’s a precision in the use of percussion, where texture takes precedence over melody, and timbre acts as the musical guide in this new chapter — every certainty is placed in the rhythms, more defined, scattered yet never hesitant, with electronics serving as an expansive possibility. The story told and played in “Distraimento”, entirely created through the use of drums, which also serve as triggers, real-time sensors, and modeling, is open to interpretation, much like the lightness with which Ricardo Martins interprets it. It unfolds smoothly, captures our attention, and gives us a deeper understanding of a side of its author that could have easily stayed in the background.
Bateria, voz sintetizada e sintetizador modular / Drums, synthesised voice and modular synthesiser - Ricardo Martins
Ricardo Martins é um dos mais notáveis bateristas portugueses da última década. Não só é brilhante, como é também um dos bateristas mais contagiantes de se ver tocar, transpirando em palco uma energia singular, e na música uma assinatura pós-punk inconfundível. Um “cientista punk” prolífico que conhecemos de (entre tantos outros projectos) Papaya, Jibóia, Filho da Mãe & Ricardo Martins, e mais recentemente no sexteto de jazz experimental Chão Maior.